Depois de um ano de 2022 a tentar recuperar o trabalho de campo atrasado durante a pandemia, com uma campanha na Antártida, duas no Ártico e outra nos Açores, decidi em 2023 coordenar a campanha Permantar à distância.

Todos os anos, geralmente durante cerca de 4 semanas, entre janeiro e março, dois a quatro membros do meu grupo de investigação vão para a Península Antártica. Os trabalhos centram-se na manutenção da rede Permantar de observatórios de permafrost, que temos vindo a instalar desde 2008. Ler dados, trocar baterias, verificar sensores e loggers, medir espessura da camada ativa e deformação do terreno, levantamentos aéreos com drones, costumam ser as tarefas-base. Em alguns anos fazem-se também a análise da estratigrafia da neve, perfis de resistividade no solo para determinar a extensão do permafrost e, mais recentemente, estamos também a analisar contaminantes no permafrost, no quadro do trabalho do Henrique Zilhão, que está a fazer o doutoramento sobre o tema.

Os dados da rede Permantar estão a ser usados para a modelação espacial e temporal do permafrost na Peninsula Antártica no quadro do doutoramento da Joana Baptista. As temperaturas medidas em perfurações, conjuntamente com dados climáticos observados e de modelação (ERA-5), alimentam a consolidação de modelos espaciais que permitirão melhor compreender as características do permafrost da região. Uma das abordagens mais interessantes em que estamos a trabalhar, é modelizar as temperaturas do permafrost ao longo do século XX, mesmo quando não existiam dados observacionais. Isso permitir-nos-á melhor compreender a sua evolução. Da mesma forma, estamos a trabalhar na aplicação dos resultados dos modelos CMIP6 para simular o comportamento do permafrost da região até 2100. Este é um dos objetivos principais de um novo projeto financiado pela FCT, o THAWIMPACT, que se iniciará em março próximo e decorrerá durante três anos. Interessa-nos melhor conhecer o presente, o passado e o futuro do permafrost na Península Antártica e os seus impactes ao nível da mobilidade da dinâmica geomorfológica, contaminantes e nutrientes e o modo como podem afetar as infraestruturas científicas instaladas na região.

Vasco Miranda e Joana Baptista em missão na Península Antártica.
Observatórios da rede PERMANTAR do CEG/IGOT na Península Antártica (mapa de base Quantarctica).

Este ano fiquei por Lisboa. Partiram para o Chile no início de janeiro a Joana Baptista do IGOT e o Vasco Miranda do IST, ambos estudantes de doutoramento. A Joana coordena a missão no terreno e é responsável pela manutenção dos observatórios Permantar. O Vasco está a fazer uma tese sobre as comunidades vegetais da Península Antártica baseada em deteção remota e vai trabalhar em levantamentos aéreos com drone e na caracterização espectral da vegetação e dos diferentes tipos de superfície. Estes dados permitirão melhor classificar imagens de satélite e melhorar a cartografia da vegetação da região. Além disso, recorrendo a imagens de satélite de arquivo, contribuirão para a reconstituição da distribuição da vegetação das últimas três décadas. Isso permitirá melhor perceber como as alterações climáticas têm vindo a afetar os ecossistemas locais, fornecendo dados muito importantes para avaliar diferentes dinâmicas dos biogeosistemas regionais.

À distância, acompanho diariamente por whatsapp a missão da Joana e do Vasco, discutindo logística e prioridades, que vão mudando ao sabor da dinâmica da meteorologia, muito instável na região. Depois de 6 dias de quarentena em Punta Arenas, ambos embarcaram num voo do Programa Polar Coreano, em direção à ilha de Rei Jorge, onde passaram para o navio oceanográfico espanhol Hespérides, que está a dar apoio logístico ao Programa Polar Português e ao nosso projeto. Desde então, e nas últimas duas semanas, navegaram para sul, ao longo da Península Antártica e têm desembarcado em diversos locais. Vão a terra durante algumas horas, quer para fazer a manutenção dos observatórios da rede Permantar, quer para recolher imagens aéreas com drone e fazer espectrometria. A meteorologia tem gerado muitas dificuldades aos trabalhos e afetou especialmente a primeira semana, com ventos fortes e nuvens baixas, que impediram o desembarque em vários locais e foram atrasando a missão do navio. Contudo, à medida que foram indo mais para sul, o tempo foi melhorando, com a última semana a ser cheia de sucessos. Conseguiram fazer a manutenção da perfuração de Amsler Island, perto da base norte-americana de Palmer, onde já não iamos desde 2017, e que tem estado a ser gentilmente mantida pelo Programa Antártico dos E.U.A.. Além disso, navegaram além do Círculo Polar Antártico, até onde nunca fui, tendo feito trabalho de campo nas imediações de Rothera e em vários locais onde é difícil temos acesso. Com isso, têm obtido dados extremamente valiosos e está a ser um verdadeiro prazer acompanhar à distância mais uma campanha Permantar. Uma alegria! Mas os próximos dias continuarão a ser muito exigentes, com visitas planeadas a Cierva Cove, ilha Deception com estadia na base espanhola Gabriel de Castilla, seguindo-se uma estadia na Base Coreana King Sejong, na ilha de Rei Jorge. A campanha terminará com um regresso no voo do Programa Polar Português, marcado para 17 de fevereiro próximo.

Estou também a acompanhar a equipa do projeto PERCONTACT liderado pela Rute Cesário do IST e do projeto BIOCRUST, da Paula Matos do IGOT. Nesta equipa, estão três estudantes na ilha Deception, entre os quais, o Henrique Zilhão, que co-oriento. Estão por lá desde o início de janeiro a trabalhar na análise de contaminantes no permafrost e no estudo dos fatores condicionantes da distribuição comunidades vegetais.

Boa sorte a todos!

O projeto PERMANTAR 2023 – Permafrost and climate change in Western Antarctic Peninsula é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia no quadro do Programa Polar Português (PROPOLAR).