Costa de Paulatuk com pequenas arribas talhadas em material areno-siltoso com permafrost

Depois de 4 dias intensivos de trabalho de campo em Paulatuk, estamos de novo no Beechcraft a caminho de Tuktoyaktuk, na costa do Mar de Beaufort, cerca de 300 km a oeste de Paulatuk.

Paulatuk é uma aldeia inuvialuit de cerca de 260 habitantes situada na costa do Ártico, numa baía linda, e de águas limpidas, completamente isolada de qualquer outra localidade. Esta fase da campanha visou principalmente o levantamento por fotografia aérea da aldeia, incluindo o aeródromo, bem como de algumas áreas próximas, onde a erosão costeira é mais acentuada. Aproveitámos também para reunir com o vice-presidente do munícipio, bem como com representantes da Hunters and Trappers Commission, que regula toda a atividade científica que se faz na região.

Tivemos muita sorte com a meteorologia, sempre com sol e com temperaturas entre os 6 e os 15 ºC, de tal forma, que até deu para dar um mergulho no Oceano Ártico no fim do último dia, para comemorar o sucesso dos trabalhos. Nas duas primeiras tardes, a grande limitação para voar o drone foi o vento, que soprou forte do oceano, estimulado também pelas diferenças de temperatura entre o oceano e o continente, mas sábado e domingo, foram perfeitos para voar.

Voando sobre a tundra

Tivémos o privilégio de ter connosco no súltimos dois dias um conjunto de guias inuvialuit que nos levaram a conhecer os locais onde a erosão tem sido mais acentuada e que nos falaram acerca dos efeitos das alterações climáticas na região. Os anciãos notam mudanças rápidas na linha de costa, mas os maiores efeitos têm sido na duração da estação com mar gelado, agora bastante mais curta, e também na espessura do gelo marinho. Têm notado também algumas mudanças na fauna, em particular em aves e alguns mamíferos, como o alce, que começam a aparecer esporadicamente. A forma como os inuvialuits estão ligados à natureza é incrível e contactar com eles, ajuda-nos a perceber porque precisam tanto de caçar para viver. Têm verdadeiras preocupações em manter os seus meios de subsistência tradicionais e a caça ao caribou, bem como à baleia, e em particular à beluga, fazem parte do seu dia-a-dia no verão boreal. Também a pesca, em especial ao Arctic Char (semelhante ao salmão), é um acontecimento especial, que trará a Paulatuk na próxima semana membros das comunidades vizinhas, só para festejar o início da época da pesca.

Equipa de campo a caminho de Argo Bay, cerca de 20 km a oeste de Paulatuk

Para quem, como eu, está mais habituado à investigação na Antártida, o modo como se processam as autorizações para a investigação no Ártico canadiano, tem sido uma contínua aprendizagem. Para além das autorizações dos serviços de parques nacionais e para os drones, há um conjunto de pedidos que têm que ser realizados às comunidades indígenas e que estão muito centradas na HTC – Hunters and Trappers Commission. Esta organização inuvialuit gere a caça e uma das principais preocupações é que as atividades científicas não perturbem as atividades de caça. Só mesmo conversando com eles é que conseguimos perceber o porquê das suas preocupações e das limitações que põem à atividade científica, que por vezes usa meios pesados, como helicópteros, aviões e navios. Há caçadores que estão durante semanas no terreno a tentar caçar caribous, ou junto à costa, a tentar avistar baleias, e um helicóptero a voar baixo, pode dar cabo de caçadas que só podem ocorrer numa curta estação e durante poucos dias. Estar em Paulatuk e ir ao supermercado comprar comida para cozinhar, ajuda-nos a perceber o porquê da importância da caça. A carne fresca não existe, a congelada é pouca e caríssima, os legumes são congelados e praticamente não há fruta. Ao fim de 4 dias a viver de um supermercado assim, já só pensamos num prato decente. Habituados à vida que levamos nas grandes cidades, em que tudo está à nossa disposição, facilmente criticamos aqueles que ainda caçam baleias para subsistir. Desde miúdo sempre fui um defensor da suspensão total da caça à baleia, e custava-me compreender como ainda se podia caçar mesmo na dita caça para subsistência, mas estes últimos anos de trabalho no Ártico vieram dar-me uma perspetiva mais ampla e mais flexível.

Litoral na península do aeródromo de Paulatuk. Os plásticos são medidas de combate à erosão costeira, pois encontravam-se originalmente cheios de areia próximo da arriba.
A fantástica Argo Bay com levantamento aéreo em curso. O instrumento que se vê na foto é um GPS.

Voltando ao nosso trabalho em Paulatuk, verificámos que se trata de um litoral com substrato bastante diferente da área do delta do rio Mackenzie, aqui com sedimentos essencialmente fluvioglaciários e glaciários e com pouca matéria orgânica. Isso significa que o aumento da erosão poderá não ter impactes tão significativos para o ciclo do carbono e consequentemente para o clima global. Contudo, ainda pouco se sabe acerca da concentração de contaminantes no permafrost da região, nem acerca de como o possível aumento do fluxo de sedimentos para a zona costeira, possa vir a influenciar os ecossistemas e mesmo a saúde humana. Especialmente preocupante pode ser o aumento da concentração de mercúrio na cadeia trófica, inclusivamente, nas espécies usadas para consumo humano. A área a ocidente de Paulatuk é uma Área Marinha Protegida e o estudo dos impactes das mudanças do permafrost no ecossistema, será de grande importância.

A caminho de Argo Bay, atravessando a praia com bancos de neve do inverno passado que ainda não fundiram.
Aspeto da degradação ativa do permafrost num deslizamento costeiro. O sedimento está completamente saturado em água de fusão do permafrost.
Cabeceira do deslizamento com afloramento de gelo maciço no permafrost. Este foi um dos sectores que cartografámos e em que iniciámos a monitorização. Em breve apresentarei alguns resultados aqui no Zona Crítica
Aterragem do drone próximo do aeródromo num dia de sol com cerca de 10 ºC.

Esta missão exploratória em Paulatuk foi de muita importância para a continuação da nossa investigação e da Natural Resources Canada na área, pois permitiu-nos já discutir várias ideias para projetos futuros, delineados também em colaboração com as comunidades locais. Este é outro dos ensinamentos que a investigação no Canadá me tem dado, que é a importância de envolver as comunidades na investigação, ajudando a construir projetos que respondam aos seus interesses, mas também criando massa crítica local para uma ciência mais participativa e formando as comunidades.

A missão continua agora em Tuktoyaktuk.